DIA 15 DE JUNHO 12:30h NO “BALÃO” DA VILA NERY
EX-MOTORNEIRO LUIS MIAN ESTARÁ PRESENTE
TAMBÉM NICOLA GONÇALVES
SOBRE BONDES ELÉTRICOS EM SÃO CARLOS
Marco Bala
Em 1903 foi fundada em Limeira a CPE – Companhia Paulista de Eletricidade por Joaquim Maynert Kehl, Antonio Candido de Camargo e Silvério Ignarra Sobrinho. Adquiriram em 1907 a Cia de Luz Elétrica de São Carlos, proprietária da Usina do Monjolinho e em 1912 assinaram com o governo municipal uma concessão paara exploração de sistemas de bondes elétricos.
O contrato [ver abaixo transcrição parcial], após alguns ajustes, foi assinado estabelecendo um prazo de 50 anos, encerrando-se em 15 de junho de 1962, sendo nessa ocasião o gerente-proprietário Djalma Kehl.
Os “vermelhinhos” tinham numeração ímpar: 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 e 19, além do “bonde da carne verde” e um veículo de manutenção. A não ser do bonde n.º 19 (só conheço citação) há registros fotográficos de todos eles. É possível uma exposição permanente pois há cerca de uma centena de fotografias …
Dos cerca de 4 mil bondes que teriam circulado no Brasil, informa a literatura corrente que apenas algumas dezenas teriam sobrevivido ao “bondecídio”.
Miraculosamente dois – os n.º 7 (do “Balão do Bonde”) e n.º 3 (do Parque Dahma), graças sobretudo a Nicola Gonçalves e Antonio Fiorentino, estão entre nós, um patrimônio para São Carlos e sobretudo um notável instrumento para se trabalhar na “educação patrimonial” e, claro, para a indústria do turismo em São Carlos.
Imagine o leitor o potencial a ser cultivado quando já se articula uma linha turística com a velha “Maria Fumaça” !!!.
Os velhos cronistas afirmavam que os bondes elétricos davam a São Carlos um ar de “metrópole-mirim” e além de darem vida ao cotidiano são-carlense durante quase meio século – começaram a circular em 27 de dezembro de 1914 – um verdadeiro presente de Natal e Ano Novo, fermentaram o imaginário carlopolitano. O leitor pode conferir as crônicas de Eduardo Kebbe, o grande cronista dos bondinhos ou os estupendos poemas de Olney Borges Pinto de Souza; Ítalo Savelli nos anos 50 e 60 escreveu a série “Conversas de um passageiro de bonde”; á um vídeo realizado em 2004 pela ONG-Ramudá. E ainda hoje há a referência “Balão do Bonde”, como é conhecida a Praça Arcesp, nos altos da Vila Nery.
Ao longo dos 3 itinerários (cerca de 12 km): Diocesano – Santa Casa; Estação – Cemitério e Estação – Vila Nery é que o burgo são-carlense se desenvolveu e até meados dos anos 70 o crescimento era em órbita dessas linhas.
Da década de 10 à década de 40 é que temos o grande período dos bondes no Brasil; na década de 60 esse sistema de transporte de massa é praticamente extinto e nesse contexto o também o ocaso dos “vermelhinhos” são-carlenses.
E, por fim, é bom registrar que temos entre nós o ex-motorneiro e condutor Luis Mian, que no dia 13 de junho de 2012, às vésperas da rememoração dos 50 anos do fim dos bondes, foi homenageado como “cidadão são-carlense” e na ocasião recordou os nomes de motoneiros, condutores, fiscais, da família Kehl … os tempos de uma São Carlos que já se foi ...
HÁ 50 ANOS (1962) DEIXAVAM DE CIRCULAR OS BONDES ELÉTRICOS
Marco Bala
Em 15 de junho de 1962 a Companhia Paulista de Eletricidade encerrava as atividades de transporte urbanos em São Carlos: os bondes elétricos.
Na crônica ”Bondes Belgas”, publicada em 1995, Paulo Miguel Campos Petroni apresenta-nos a seguinte fotografia:
“(..) Não se trata de mera nostalgia, nem só de história contemporânea, mas do presente e do futuro, pois em São Carlos os bondes infelizmente desapareceram, mas em muitas outras cidades ricas e/ou turísticas eles permanecem e ninguém cogita em erradicá-los. Com os trens brasileiros aconteceu o mesmo. Aqui foram desprezados, mas no primeiro mundo continuam ativos e chegarão ao Século XXI em plena moda.
Votando aos bondes, antes eram chamados de carris, ferro-carris, tramways, comboios ou bonds (sem o ‘e’).
Restaurados e muito bem conservados, apesar de antiqüíssimos, seguem transportando pessoas como por exemplo em São Francisco, New Orleans, Memphis, Zurich, Lisboa, Detroit, Stuttgart e Milano (essas três últimas são sedes de gigantes automobilísticos como Ford, General Motors, Mercedes, Porsche, Alfa Romeo, etc. ). Ou então ressurgem modernizados, com o nome de V.L.T. (veículos leves sobre trilhos) como em Campinas, Los Angeles e Miami, pois no meio urbano essa forma de locomoção ainda é tida como a mais conveniente, por seu econômica (a médio ou longo prazo), silenciosa e não poluente. New York, Paris e London, extinguiram os bondes por manterem eficiente redes de metrôs, o que só temos praticamente em São Paulo e no Rio de janeiro, mas muito modestos. Em Recife, Salvador e Brasília o que há é apenas um pré-metrô.
Os trólebus, tróleibus ou trolley-bus não tiveram tanto sucesso como os bondes, apesar de rápidos na aceleração, silenciosos e não fumarentos. Podemos ver esses ônibus elétricos em Araraquara, Ribeirão Preto, São Paulo e Santos, ainda hoje, e curioso é que um já rodou experimentalmente em São Carlos, mas não aprovado talvez pelos custos dos fios aéreos.
Em São Carlos os bondes serviram sem concorrência, de 1914 a 1962, tendo havido muito antes uma pequena e pouco duradoura linha de tração animal (talvez como a da Disneyland). O primeiro a obter a concessão (ou permissão), por lei, foi Argeo Vinhas, que a transferiu para a CPE (Cia Paulista de Eletricidade, absorvida [1973] depois pela atual CPFL, que não se confunda com a Cia Paulista de Estradas de Ferro). Tais coletivos chegaram da Bélgica, fabricados pela SOCIETÈ FRANCO BELGE DE MATÈRIEL DE CHEMINS DE FER, via porto de Santos. Eram vermelhos, de metal e madeira, com dois eixos, sete longos bancos (os cinco do meio com encostos reversíveis) e mediam 8,1m. Segundo o catálogo (arquivo de Aquilino G. Podestá, Buenos Aires) o n.º de passageiros era 36, entre sentados e de pé, mas nos estribos laterais muitas pessoas ficavam como pingentes, sendo que o motorneiro pilotava de pé através de uma alavanca e usava o uniforme de brim cáqui, com gravata e quepe escuros.
O condutor (cobrador) apitava e ficava dependurado nesses estribos, suando e também de terno claro surrado e gravata ensebada, segurando gastas notas de um cruzeiro (no meu tempo, pis não conhecei o réis) longitudinalmente dobrados entre os dedos. Esses veículos elétricos eram abertos e para proteção contra a chuva ou o tradicional vento são-carlense havia cortinas de lona listrada em cores contrastantes, na vertical, que ficavam enroladas em cima e podiam ser baixadas. A ‘buzina’ era uma campainha mecânica, parece que acionada pelo pé.
Os locais servidos eram a Estação, o Cemitério, a Santa Casa, o Posto Zootécnico (atual USP), a Vila Nery, o Colégio Diocesano, etc. Seis bondes eram de passageiros [sic ! Identificamos os bondes n.1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15], dois para cargas e serviços. Um transportava ‘carne verde’ do matadouro para o mercado e consta ter ávido um outro, fechado, para fins especiais. Desses, um apenas escapou da sucata [sic! Escaparam dois] estando preservado ao lado da Piscina Municipal, por obra do Prefeito Antonio Massei, do jornalista Totó Fiorentino, do industrial Dário Rodrigues, do eng Djalma Kehl e do escritor Octavio Damiano [o outro bonde foi ‘remontado’ por Nicola Gonçalves]. Esse último é um dos maiores conhecedores do assunto, já tendo produzido excelentes trabalhos (desde 1957) sobre nossos ecológicos bondes, que não consumiam combustível importado.
No Brasil dezenas de cidades tiveram bondes elétricos e nosso Estado, a capital (até 1968), Santos (até 1971), Campinas (até 1968), Piracicaba (até 1969), Sorocaba (até 1959), Guarujá (até 1956) Guaratinguetá (até 1955) e Piraju (até 1937). Jundiaí, Taubaté e Santo André tiveram pequenas redes de carris urbanos, mas só com tração animal e a gasolina, tudo segundo informações do culto advogado e historiador paulistano Waldemar C. Stiel.
Ainda em nosso Estado, Campos do Jordão soube manter seus trilhos, pelo que é mundialmente famosa. Parte dos bondes Siemens do Guarujá lá estão. E no Parque Taquaral de Campinas salvou-se uma lembrança dos antigos bondinhos, ao passo que em Santos recentemente um bonde tipo ‘camarão’ esteve circulando para turismo na avenida da praia, em curto trecho re-eletrificado, mas agora virou escritório de informações turísticas.
Em Itatinga (Bertioga) desde o início do século e eletricidade em 1958 ainda funciona uma pequena linha de bondes, trabalhando para o Porto de Santos, cidade onde encontra-se ainda o funicular elétrico do Monte Serrat.
Por outro lado, agora em São Luís do Maranhão, o primeiro bonde elétrico (de 1924) foi re-inaugurado em 1978 no campus da Cidade Universitária, com colaboração da companhia de bondes de santa Tereza (Rio de janeiro), que ainda trafegam, desde 1896 eletrificados pela General Electric.
Aliás, foi no Rio de Janeiro que apareceu o primeiro bonde elétrico na América do Sul, em linha para o Jardim Botânico, em 1892, logo após a invenção desses veículos por Werner Siemens, em Berlim (1879). Esse do ex Distrito Federal era parecido cm os são-carlenses, como também o eram os de Belo Horizonte, Guaratinguetá e Juiz de Fora (extintos pelo Prefeito Itamar Franco).
Bondes brasileiros hoje circulam em museus nos Estados Unidos (Connecticut, Illinois e Pensylvania) e na Bélgica há museu de bondes, também encontráveis em vários outros lugares adiantados, junto com antiguidades de transportes e tecnologia.
Os fornecedores para o Brasil foram os Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e Bélgica (um dos fabricantes chamado Nivelles), mas muita coisa foi construída, montada ou adaptada aqui mesmo.
O vocábulo bonde é um brasileirismo e vem de bond, que é uma espécie de título de crédito, ou bônus negociável, pois a primeira empresa que explorou esse transporte, na antiga capital fornecia passes, que eram um bônus, ou bond, e ainda, apólices da dívida pública haviam lançadas na época (1868).
Além dos bondes elétricos, como os de São Carlos, havia os tirados, (puxados) por eqüinos, movidos por motores a gasolina (ou diesel), a vapor, a baterias e por cabos (na superfície ou subterrâneos). Os mais famosos do planeta, de San Francisco, são conhecidos como ‘cable cars’.
Os bondes brasileiros portanto, foram sucateados nos anos sessenta e alguns ficaram enfeitando praças públicas, um ou outro restou esquecido em depósitos ou viraram peças de museus, até nos Estados Unidos (em São Carlos uma carcaça de bonde durante anos ficou jogada em terreno atrás da fábrica Clímax). Os trilhos pereceram junto com os paralelepípedos, sepultados pelo asfalto.
Mas preservar não é mumificar, e sim manter a coisa viva, funcionando, e é isso que faz a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF), com sede em São Paulo e representação em Araraquara (na Estação Fepasa). Essa entidade sem fins lucrativos já restaurou e opera dezenas de velhíssimas locomotivas, vagões e materiais ferroviários em geral (mesmo encontrados incompletos e destruídos) em diversas ferrovias dopais,e como muitos bondes já foram ressuscitados, talvez o nosso possa ser objeto de estudos para que volte a rodar em pequena rede de trilhos de bitola métrica, com colaboração da ABPF, das nossas duas excelentes escolas de engenharia, de empresas e entidades ligadas ao setor elétrico e mecânico etc.
Seria mais uma bela atração turística e promoção para nossa Cidade Sorriso, também conhecida como Atenas Paulista (..)”.