A estrutura tridimensional de uma proteína, cuja ação é crucial para a replicação do vírus Zika, foi desvendada por pesquisadores do Grupo de Cristalografia do Instituto de Física de São Carlos (IFSC/USP). Intitulada NS5 RNA-Polimerase RNA-dependente (NS5 RdRp), a proteína é a principal responsável por copiar o RNA viral (que guarda a informação genética do vírus) e reproduzi-lo centenas de vezes até que a célula onde o vírus Zika esteja alojado seja destruída, espalhando as cópias virais pelo organismo hospedeiro.
O vírus Zika é transmitido principalmente através da picada do mosquito Aedes Aegypti, podendo causar febre, dores no corpo, erupções cutâneas e conjuntivite. O vírus possui uma casca ou envelope que, além de conter o RNA viral, lhe permite reconhecer as suas células-alvo no hospedeiro, para invadi-las e ali se utilizar do maquinário celular para se replicar. A NS5 RdRp é uma das 10 proteínas codificadas pelo genoma viral, essenciais para que o vírus possa completar o seu ciclo de vida.
Sabendo que a NS5 RNA-Polimerase cumpre um papel fundamental na cópia e na reprodução do vírus, os pesquisadores obtiveram a proteína na forma recombinante utilizando bactérias que foram transformadas para produzir uma grande quantidade de NS5. Esta etapa, dita de clonagem, foi realizada em parceria com a empresa startup CellcoBiotech, criada por três doutores egressos do IFSC/USP com o apoio de um projeto PIPE da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Essas proteínas foram purificadas e separadas das outras oriundas das próprias bactérias. Uma etapa crucial desse trabalho foi obter os cristais da proteína, que permitiram a utilização da técnica de Difração de Raios-X para então determinar a posição tridimensional dos átomos que formam a estrutura da NS5 (imagem ao lado).
Montando o quebra-cabeças
A elucidação da estrutura tridimensional da proteína permite que, agora, os pesquisadores planejem e desenvolvam moléculas cujas estruturas se encaixem à estrutura da NS5 RdRp, bloqueando a replicação do vírus, o que permitiria elaborar fármacos que teriam ação eficaz no tratamento de pacientes acometidos pelo vírus Zika.
Embora essa fase inicial seja auspiciosa, o Prof. Dr. Glaucius Oliva, do Grupo de Cristalografia, enfatiza que ainda existem diversos testes a serem desenvolvidos, tanto em fase in vitro (com células cultivadas em laboratório) como in vivo (em modelos animais), para que talvez se possa encontrar uma molécula que, além de se encaixar e inibir a ação da NS5, não interfira na ação de outras proteínas que existem no organismo humano, de forma que não seja tóxica e tampouco se degrade facilmente. "Após fazermos uma simulação computacional para encontrarmos o tipo de estrutura mais adequado, poderemos, com o auxílio de métodos matemáticos e computacionais, olhar para o universo de centenas de milhões de moléculas que já existem e que foram sintetizadas ao longo da história da humanidade, e que estão disponíveis na literatura internacional e em bancos de dados, e avaliar se cada uma delas se encaixa não só na forma, mas também na complementaridade química do sítio ativo da NS5 [local da proteína em que a sua atividade catalítica natural ocorre]", explica Oliva.
Esse trabalho, cujos resultados foram publicados nessa segunda-feira (27) na revista Nature Communications, foi desenvolvido utilizando a linha de luz de Cristalografia de Proteínas do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, no âmbito do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), sediado no IFSC/USP, sendo um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID's) apoiados pela FAPESP.
Os autores dessa pesquisa são dois pós-doutorandos (André Godoy e Fernando Maluf) e três doutorandos (Gustavo Lima, Ketllyn Oliveira e Naiara Torres), orientados pelos docentes do IFSC/USP, Profs. Drs. Rafael Guido e Glaucius Oliva.
Assessoria de Comunicação - IFSC/USP