Os aplicativos que instalamos em nossos celulares muitas vezes requisitam o acesso a informações pessoais disponíveis nos aparelhos, como localização, chamadas, lista de contato e até o microfone e a câmera. De acordo com um estudo da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, as funcionalidades oferecidas por esses aplicativos (ou seja, o que ele pode fazer) e a boa reputação das empresas desenvolvedoras são alguns dos fatores que influenciam os usuários a aceitarem as permissões de acesso.
“A opinião positiva de outros usuários, a presença de justificativa de coleta de dados, a transparência da fonte da receita do desenvolvedor, a idade, o sistema operacional também contribuem para a instalação de um aplicativo”, conta a consultora em Tecnologia da Informação, Chen Wen Hsing. Ela é autora da tese de doutorado Coleta de dados pessoais e paradoxo da privacidade: um estudo entre usuários de aplicativos móveis defendida em 4 de abril sob a orientação do professor César Alexandre de Souza.
A pesquisa foi realizada em três etapas. Na primeira, Chen analisou o conteúdo dos textos, nos comentários e nas notas de cinco aplicativos muito populares na loja virtual Google Play, da plataforma Android (Whatsapp, Instagram, GuiaBolso, MCent e PSafe). Por meio de um site que agrupa informações (consolidação de dados), Chen buscou identificar, nesses comentários, o que diziam os usuários sobre as permissões solicitadas pelos aplicativos.
Nesta primeira análise, a pesquisadora constatou que a coleta de dados sensíveis, na maioria dos casos, não desestimulou os usuários a fazerem a instalação. Ele conta que no caso do GuiaBolso, o aplicativo pede a senha do internet banking, pois faz uma compilação dos extratos da conta. “Muitos usuários escreveram nos comentários que desistiram de instalar por causa disso, dessa questão da privacidade. Porém, encontrei muitos outros comentários destacando o desempenho e a funcionalidade do aplicativo”, explica.
Na segunda etapa, a pesquisadora analisou cerca de 160 aplicativos de duas categorias: fotografia e segurança (antivirus, antispam, antifurto, etc). Em cada categoria, ela analisou os 40 mais populares, os 40 menos populares e as diferenças entre os dois grupos. “Os aplicativos mais populares têm mais funcionalidades e pertencem a empresas mais conhecidas. E são as empresas mais conhecidas que solicitam mais permissões. E quanto mais funcionalidades, mais permissões elas solicitam. Há, portanto, uma relação entre essas quatro variáveis: popularidade, boa reputação, funcionalidade e coleta de dados.”
Na última etapa, Chen aplicou questionários a cerca de 360 estudantes de três universidades (2 públicas e 1 privada) do estado de São Paulo. Foram aplicadas perguntas sobre os hábitos de consumo em relação a quatro aplicativos (Whatsapp, Instagram, Guiabolso e PSafe). Os resultados confirmaram os dados da segunda etapa: os usuários mais frequentes são aqueles que valorizam a funcionalidade e a boa reputação das empresas. Nessa fase da pesquisa, também foram levadas em conta as respostas dos usuários das demais plataformas (Apple e Windows Phone).
Chen observou, nos entrevistados, duas estratégias de proteção de dados: um grupo faz uso de aplicativos menos invasivos, enquanto o outro reduz o uso. “Esse dado levanta indícios de que talvez exista uma relação com o sistema operacional. Pode ser que alguns usuários não consigam escolher produtos menos invasivos pois o sistema operacional dos smartphones não facilita esta tomada de decisão”, opina.
Conselho aos desenvolvedores
Para os desenvolvedores de aplicativos, Chen orienta que a coleta de dados por si só não é um fator inibidor, desde que se invista na funcionalidade e na reputação da empresa. Também é interessante observar o nível de coleta de dados dos concorrentes.
Sobre as recentes disputas envolvendo a Apple e o governo americano e o Facebook (dono do WhatsApp) e o governo brasileiro, Chen destaca que as empresas não querem compartilhar dados dos assinantes com o governo com receio de prejudicar a própria reputação, visto que na política de privacidade dizem que não terão essa atitude. “Isso reforça as conclusões da pesquisa, de que a reputação das empresas é muito importante”, destaca. Ela lembra que os produtos são padronizados para um mundo globalizado e mesmo que a cultura de um país seja mais aberta a coleta de dados, a atitude de uma empresa no Brasil, por exemplo, pode influenciar a reputação dela em outro.
A pesquisadora alerta que pouco se discute sobre o fato de empresas como o Google e o Facebook terem acesso a tantos dados dos consumidores e poderem monitorar o mundo inteiro o tempo todo. “Há uma concentração de dados em poucas empresas privadas e ninguém questiona isso”, finaliza.
Foto: Cecília Bastos