Eles falam uma língua científica diferente, embora compartilhem um mesmo idioma. De um lado, está um grupo brasileiro de cientistas de computação atuando na árdua tarefa de empregar recursos tecnológicos para aprimorar processos educacionais. Do outro lado, uma pesquisadora recém-chegada de Portugal, também brasileira, com uma vasta bagagem na arte de formar professores para o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em contextos de aprendizagem. Apesar de atuarem em áreas do conhecimento que, muitas vezes, podem parecer diametralmente diferentes como a educação e a computação, eles se unem no Laboratório de Computação Aplicada à Educação (CAED) do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, coordenado pelos professores Ellen Barbosa, José Maldonado e Seiji Isotani.
“Quando pensamos nas questões que envolvem a aprendizagem, percebemos que a interface entre a educação e a tecnologia não é fácil de ser articulada”, explica a pesquisadora Carla Rodriguez, que acabou de voltar do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Portugal, pelo programa Ciência sem Fronteiras (CAPES/CNPq), especialmente para atuar no CAED. Ela foi uma das selecionadas na última chamada do programa, na modalidade Atração de Jovens Talentos. Além da bolsa que receberá, também haverá recursos da ordem de R$ 10 mil por ano para o laboratório custear a realização das atividades da pesquisadora no Brasil durante dois anos.
“Como estamos em um Instituto de matemática e computação, os alunos têm muito contato com essas áreas, mas têm dificuldade de entender o pessoal da área de educação, que possui uma fundamentação pedagógica mais apurada. É preciso estabelecer um diálogo entre esses dois mundos para que possamos trabalhar em conjunto e desenvolver algo que seja, realmente, de grande impacto social”, completa Isotani.
Segundo ele, a área de computação aplicada à educação compreende, basicamente, a pesquisa e inovação sobre as técnicas, ferramentas e tecnologias da computação que podem ser utilizadas para facilitar o processo de ensino e aprendizagem. Já a área de educação apoiada pela computação – ou simplesmente aprender com computação – estuda como a aprendizagem pode ser melhorada por meio do uso dessas ferramentas e tecnologias. Ao atuar nessas duas frentes, afirma Isotani, o CAED consegue relacionar os dois lados dessa moeda: “a computação contribuindo com a educação e a educação contribuindo para melhorar as tecnologias computacionais”.
Formando grupos – O professor Isotani comentou que uma das suas principais linhas de pesquisa é a formação de grupos. Imagine uma sala de aula em que o professor peça para que sejam formados grupos de forma que todos trabalhem de maneira colaborativa. O professor poderá dar a opção aos alunos de escolherem seus grupos ou poderá selecionar os alunos que formarão cada grupo de forma aleatória. “Fazendo uma seleção de grupos de aprendizagem dessa maneira, a chance de sucesso será aleatória também. Se o aluno cair em um grupo com o qual tem afinidade, poderá desenvolver um bom trabalho, do contrário, possivelmente não terá o mesmo resultado”, avalia Isotani.
O professor explica ainda que, quando os alunos têm a liberdade de formar os grupos, nem sempre a colaboração e a aprendizagem se efetivam: “Nesse caso, é comum que os conflitos sejam evitados, porque se tratam de colegas trabalhando juntos. Isso é prejudicial para a aprendizagem, pois é a partir dos conflitos que surgem novas ideias e aprendizados”.
Para Isotani, a formação de grupos efetivos de aprendizagem não pode ser realizada aleatoriamente, mas sim a partir da análise de vários critérios. Por exemplo, há muitos pesquisadores que enfatizam a necessidade de combinar, em um mesmo grupo, alunos com níveis de conhecimento variado, pois, com essa heterogeneidade, podem ser alcançados melhores resultados de aprendizagem. Exemplos de outras questões que devem ser levadas em conta na hora de formar um grupo são os aspectos culturais, socioeconômicos, religiosos e motivacionais dos participantes. Nesse contexto, o desafio é detectar quais são essas características que possibilitam a formação dos grupos efetivos de aprendizagem. A partir da identificação dessas características, os pesquisadores buscam construir algoritmos – sequências de comandos passados para um computador – para que esses grupos sejam formados da melhor forma possível.
Segundo o professor, serão necessários de três a cinco anos para que as pesquisas realizadas atualmente no CAED levem à criação de uma ferramenta útil para a formação desses grupos. Para se ter uma ideia da relevância dessa área de pesquisa, Isotani e o aluno de pós-graduação do ICMC Wilmax Cruz realizaram um mapeamento bibliográfico nas principais bases de dados científicos da área de computação e descobriram que, de 2001 a 2013, foram publicados 165 estudos sobre algoritmos para formação de grupos e 48 deles focados em ambientes de aprendizagem colaborativa. Os pesquisadores fizeram também uma análise mais detalhada e verificaram que a maioria dos trabalhos (82%) resultou em implementações, mas apenas 2% deles disponibilizava o código fonte. Na maior parte dos estudos, o objetivo foi a criação de protótipos destinados a realizar pesquisas e não propor ferramentas para solucionar problemas educacionais reais. “O grande diferencial das pesquisas realizadas no CAED é exatamente fazer pesquisa com o objetivo de gerar produtos inovadores que podem solucionar alguns dos problemas do atual processo de ensino e aprendizagem”, ressalta Isotani.
A partir de um mapeamento bibliográfico amplo como esse, os pesquisadores conseguiram observar o que já foi publicado nessa área do conhecimento e avançar em suas pesquisas. Uma ideia inovadora do grupo foi apresentar o resultado desse mapeamento por meio de um infográfico (acesse aqui: http://infografico.caed-lab.com/mapping/gf/). A ideia, agora, é disponibilizar ao público mais resultados das pesquisas do CAED por meio de infográficos como esse.
A linha de pesquisa de formação de grupos também abrange estudos relacionados à formação de grupos de alta performance, os quais podem ser de grande utilidade para a formação de equipes de alta performance em empresas. Dessa forma, os profissionais de recursos humanos poderiam, a partir da identificação das características da equipe atual da empresa, identificar o perfil ideal de profissional necessário para atuar ali e aumentar a performance do grupo. Assim, seria possível efetuar uma seleção de novos profissionais ou treinar os funcionários de forma a alcançar os resultados almejados.
A expectativa é de que, no futuro, exista pouco espaço para o aleatório na hora de formar um grupo. Aliás, alguém já pensou em um algoritmo capaz de formar a melhor equipe para providenciar o próximo churrasco?
Texto e foto: Denise Casatti - Assessoria de Comunicação ICMC/USP
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