UFSCar 9 de Abril de 2021
"Necromancia tropical" é o título do livro de poemas que Wilson Alves-Bezerra, docente do Departamento de Letras (DL) da UFSCar, lança na próxima terça-feira, 13 de abril, a partir das 14 horas (horário de Brasília) e das 18 horas (horário de Lisboa). O evento será no formato online e poderá ser acompanhado pelo YouTube. Além da apresentação de Alves-Bezerra, haverá um debate com a crítica e poeta portuguesa Maria João Cantinho, e com o prefaciador do livro, o poeta, editor e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luis Maffei.
Publicado pela editora de Lisboa, Douda Correria, "Necromancia tropical" recolhe parte da obra recente do poeta, com textos de caráter político e que tematizam o momento turbulento do País: o negacionismo, a violência, a pandemia e a corrupção são temas dos 14 poemas, escritos entre dezembro de 2019 e meados de 2020. E por que esses temas? "São os temas que importam", responde o autor.
Os sete primeiros textos da obra foram inicialmente lançados no disco virtual "Catecismo Moreninho" (2020), disponível no Spotify, e logo foram traduzidos pelo poeta venezuelano Jesús Montoya e publicados pela editora colombiana El Taller Blanco Ediciones, sob o título "Catecismo Salvaje". O livro, portanto, chega agora ao terceiro país, acrescido de sete novos textos e com prefácio do professor brasileiro Luis Maffei.
Quem está no Brasil ainda terá que esperar um pouco mais para ter acesso ao livro, que, em breve, deverá ser lançado pela Editora Iluminuras. Quase todos os poemas, porém, já estão disponíveis em áudio no canal do YouTube do autor.
Confira abaixo a entrevista com Alves-Bezerra, em que ele fala sobre o novo livro, o lançamento em Portugal, entre outros assuntos.
- Do que trata o livro "Necromancia tropical"?
Alves-Bezerra: "Necromancia Tropical" é um livro de poemas. Faz já algum tempo todos os meus livros de poemas são obras em progresso, livros que não se encerram neles mesmos e que vão sendo republicados e acrescidos de outros textos, prefácios. O último, "O Pau do Brasil", foi publicado e republicado ao longo de quatro anos, com cinco atualizações no Brasil e três em Portugal. O presente projeto está na terceira versão: uma em áudio no Brasil, uma em e-book na Colômbia e essa agora que sai em Portugal. Esse modo de compor e publicar os poemas responde a duas premissas: primeiro, meus últimos livros de poemas querem literalmente dialogar com a vida brasileira presente, a sociedade brasileira presente; segundo, o livro de poemas tem novas possibilidades na contemporaneidade e ele pode ir se transformando, se atualizando, mudando de suporte. "Necromancia tropical" fala do Brasil dos últimos anos, essa sociedade em que recrudesceu o arbítrio, as instituições se enfraqueceram e na qual a morte vem se fazendo cada vez mais cotidiana e naturalizada. Contam-se os cadáveres como se contam os grãos produzidos. Morre mais gente do que nasce.
- A que esse título remete?
Alves-Bezerra: O título do atual projeto também é movente: quando lancei a primeira versão, com sete poemas, em disco virtual, o título era "Catecismo Moreninho", querendo remeter à teocracia fundamentalista que ia se implantando nestas terras. Ao ser traduzido para o espanhol pelo poeta Jesús Montoya, decidimos que a ironia e o racismo presentes em ?moreninho? não eram traduzíveis diretamente, e ele sugeriu-me mudar para "Catecismo Salvaje". Agora, para a edição portuguesa, acrescida de mais sete poemas, todos escritos já sob a pandemia do coronavírus, o editor Nuno Moura e eu optamos por um título que desse o caráter sombrio que ganhou a obra. A necromancia é a arte de ler a sorte pelos cadáveres - um título realista para um livro que fala de um país irreal.
- Qual a diferença entre esse e seus dois livros de poemas anteriores?
Alves-Bezerra: "O Pau do Brasil" era um livro que lançava mão principalmente da ironia para falar do Brasil pós-golpe de 2016. Nele trabalhei muito com a técnica da colagem irônica, que Oswald de Andrade utilizou no seu "Pau Brasil", de 1925, e também com muitas reescrituras de poemas do cânone, relidos a partir da época contemporânea. "Vertigens", meu livro de poemas em prosa de 2015, que ganhou o Prêmio Jabuti, operava na chave do surrealismo e não tocava a realidade brasileira da mesma forma. "Necromancia Tropical" tem uma dicção diferente, ele quer pesquisar a voz dos discursos hegemônicos, do gado, do comerciante isento, dos fundamentalistas etc.
- Como catalisar em versos um momento tão triste da nossa história?
Alves-Bezerra: A estratégia tem sido a de produzir linguagem em torno ao indizível. O trauma suspende a linguagem, mas sempre é possível, com a linguagem, contornar o horror. Acredito que a poesia pode ter um papel importante de oferecer outra palavra, outro olhar, sobre o que se vive contemporaneamente.
- Lançar em Portugal torna a obra diferente do que se lançada no Brasil, sob a ótica política e social?
Alves-Bezerra: Desde 2017, quando lancei em Portugal "Exílio aos olhos, exílio às línguas" (Editora Oca), uma antologia de meus poemas, passaram a se abrir algumas portas para a publicação de mais textos meus lá. Assim, em 2018 e 2019, publiquei duas edições de "O Pau do Brasil" e participei de alguns eventos em Lisboa e no Porto. Desde então, o jornalista Luis Caetano vem difundindo versões em áudio - ditas por mim - de meus poemas na RTP Antena 2 - a rádio pública de Portugal. Tenho então a felicidade de ter um público naquele país, que acompanha não apenas minha obra, mas a situação do Brasil. Terminou surgindo primeiro a oportunidade de publicar esses poemas lá do que aqui. "Necromancia Tropical" sai por uma editora lisboeta de poesia, dirigida pelo poeta Nuno Moura. O livro conta agora com 14 poemas: os 7 do "Catecismo Moreninho" e outros sete mais. Quando sair no Brasil, o livro possivelmente contará com 21 textos, porque aumento a obra de sete em sete. Publicar em Portugal faz parte também do projeto de difundir o mais amplamente possível o descalabro que se vive nestas terras.
- Fale sobre o disco virtual "Catecismo Moreninho" (2020).
Alves-Bezerra: Eu tenho uma fila de livros na editora brasileira que publica minha literatura, a Iluminuras. Mesmo assim, queria difundir novos textos. Optei então por fazer um disco em streaming, de forma independente. Queria que a poesia entrasse nas pessoas pelos ouvidos, não pelos olhos. Tudo o que tenho escrito é para ser lido em voz alta.
- Como você vê a poesia nos dias de hoje?
Alves-Bezerra: Diversa, como deve ser.
Confira um fragmento do poema "O sétimo selo":
"Foi no tempo da peste
e não vieram tanques
e não vieram deuses
e não vieram anjos
os terroristas não vieram
nem a extrema esquerda o sequestrou
e nem ninguém meteu-lhe uma bala na testa
não teve festa na cobertura
não teve churrasco de formatura
não teve orgia na casa de cultura
e nem unicórnios vieram
porque
aparentemente
a esperança era uma cama vazia
sem oxigênio
num hospital apinhado de corpos
com uma tevê
em que passava
mais um discurso do presidente
morrendo
te fazendo morrer
no tempo contínuo da peste."
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