Para auxiliar a realização das atividades diárias de pessoas com deficiência visual, pesquisadores do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Software Livre (NAP-SoL) da USP em São Carlos desenvolveram um protótipo de sistema que permite ao usuário fazer a identificação de obstáculo e ambiente através do som.
A equipe de pesquisa é formada pelos doutorandos do programa de pós-graduação em Ciências de Computação e Matemática Computacional (PPG-CCMC) Renê de Souza, Heitor Freitas e Luiz Nunes, com a coordenação do professor Francisco Monaco, do laboratório de Sistemas Distribuídos e Programação Concorrente do departamento de Sistemas de Computação, todos do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC).
O programa computacional denominado GuideMe funciona em um dispositivo pequeno, ajustável à roupa e utiliza processamento de imagem e localização através do eco para reconhecer o ambiente.
O sistema, por meio de fones de ouvido, estabelece comunicação com o usuário tanto verbalmente, com o uso de um sintetizador de voz, quanto por meio de sons tridimensionais.
“Imagine o deficiente visual aproximando-se de um balcão para pedir informações; se não houver ninguém para atendê-lo, o sistema diz: "ninguém à vista". Em outra situação, podemos imaginar o deficiente visual procurando por uma pessoa conhecida em um local público; caso a pessoa seja detectada pela câmera, o sistema aponta para a aproximação dela e pode inclusive guiar o usuário até o seu amigo”, explica o professor Monaco.
O professor menciona ainda que, em uma situação na qual o usuário caminhe por um corredor, em linha reta, ele deve ouvir um som (suave) que pareça vir de sua frente. Caso o usuário ande em direção a uma das paredes, o som modifica sua direção e passa a ser ouvido como se viesse do lado da parede. Assim, o usuário pode utilizar essa dica sonora para conhecer a geometria do ambiente e corrigir seus passos.
O sistema explora duas técnicas inovadoras. Uma é baseada em visão computacional que utiliza um webcam convencional e algoritmos de processamento de imagem para detectar a presença de pessoas e identificar rostos conhecidos.
A outra técnica é apoiada em psicoacústica (estudo da relação entre estímulos sonoros e suas sensações decorrentes) e utiliza sensores de ultrassom para localizar obstáculos. Porém, em vez de emitir bipes, como sensores de estacionamento utilizados em veículos, por meio de um algoritmo de geração de áudio 3D, o dispositivo produz um som que aparenta surgir da direção e da distância em que está o obstáculo.
O GuideMe utiliza conceitos de wearable computing (tecnologia portátil como peça de vestuário) e sensor fusion (geração de informação combinando múltiplos sensores) e em sua especificação completa, utilizará sensor GPS, bússola e conexão wireless para prover auxílio à locomoção em áreas abertas.
O objetivo inicial do projeto foi de aperfeiçoar os algoritmos que utilizam processamento espacial e de imagem. O protótipo atual foi produzido em um equipamento de hardware fornecido pela empresa de tecnologia Intel.
“Pretendemos migrar para um hardware menor, mais leve e com maior eficiência energética, para que possa ser utilizado por mais tempo com auxílio de bateria. Em longo prazo, pretendemos aprimorar a utilidade do dispositivo a partir da avaliação dos usuários”, explica Monaco.
Durante o desenvolvimento a equipe fez testes preliminares utilizando o sistema para guiar-se em corredores com outras pessoas presentes. As funções do dispositivo foram executadas como o esperado. O próximo passo é realizar testes em pessoas com deficiência visual.
O programa que foi desenvolvido em software livre será disponibilizado para a sociedade. “Todas as especificações, artefatos de software e aplicações são livres para beneficiar a população e, sobretudo, às pessoas que possam fazer uso do sistema”, afirma o pesquisador.
“Acreditamos nos conceitos de free open source software (software livre e de código aberto) e de free open source hardware (hardware livre de projeto livre e aberto) como facilitadores para que a pesquisa possa virar produto, este evolua livremente e chegue às pessoas a custos acessíveis”, complementa.
A deficiência visual é caracterizada pela perda parcial ou total, congênita ou adquirida da visão. Coforme dados do Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 45,6 milhões de brasileiros, 23,9% da população total, possuem algum tipo de deficiência, (visual, auditiva, motora e mental ou intelectual) e 18,6% possuem a visual, sendo esta a maior ocorrência.
De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) por meio do relatório World Report on Disability 2010 e Vision 2020, a cada cinco segundos uma pessoa fica cega no mundo e 90% dos casos de cegueira ocorrem em países subdesenvolvidos e emergentes.
A OMS aponta que mais de um bilhão de pessoas, 15% da população mundial, vivem com algum tipo de deficiência. Há de 40 a 45 milhões de pessoas cegas sendo que em 2020 serão mais de 75 milhões de pessoas cegas e mais de 225 milhões com baixa visão. O estudo mostra ainda que 80% dos casos poderiam ser evitados se ocorressem mais ações efetivas de prevenção.
Concurso Intel de Sistemas Embarcados 2014
O protótipo desenvolvido alcançou o primeiro lugar no II Concurso Intel de Sistemas Embarcados realizado durante o IV Simpósio Brasileiro de Engenharia de Sistemas Computacionais (SBESC), de 4 a 7 de novembro, em Manaus (AM).
O concurso é destinado a estudantes de graduação e pós-graduação e tem a intenção de promover o desenvolvimento de sistemas inteligentes e inovadores com base em tecnologia embarcada.
O projeto também foi apresentado em uma feira aberta ao público, que recebeu a visita de estudantes da rede pública de ensino. “Abordar a pesquisa para o público em geral foi importante para ao fortalecimento da comunicação e divulgação científica na área”, menciona Souza.
A equipe fará uma visita técnica ao laboratório da Intel nos Estados Unidos, como parte da premiação, e integrará o programa Intel Developer Forum, além de estar pré-classificada para a edição de 2015.
A proposta apresentada para o concurso foi uma das aprovadas que recebeu uma placa de desenvolvimento (hardware) para produzir um protótipo em três meses. Para Souza, “a participação no concurso foi de grande importância para apresentar a pesquisa à comunidade acadêmica e industrial, esta, que tem investido expressivamente na área de sistemas embarcados e wearalbe computing”.
Além da continuidade do projeto, a equipe visa a investir em pesquisa na área de acessibilidade. “O sistema de orientação psicoacústico utilizado é baseado em técnicas de processamento de áudio tridimensional estudados por pesquisadores na Alemanha. Em conjunto, pretendemos intensificar as pesquisas”, planeja Monaco.
Para conhecer os demais projetos ganhadores acesse aqui.
Por Flávia Cayres da Assessoria de Comunicação do NAP-SoL